domingo, 25 de julho de 2010

Munique e o 11 de setembro negro


"Pode levar mil anos, mas conseguiremos o nosso objetivo". Este é o sentimento dos palestinos. A mesma fala é repetida pelo agente secreto de Israel em “Munique”, um filme sobre uma guerra sem fim.

“Munique” é baseado na resposta israelense aos atentados aos seus atletas nos Jogos de Munique de 1972. Os roteiristas Tony Kushner e Eric Roth se basearam no livro ”A Hora da Vingança” (Vengeance: The True Story of an Israeli Counter-Terrorist Team) do escritor canadense George Jonas. Rodado em Malta (representando Israel, Chipre, Atenas, Roma e Paris) e Budapeste (para Londres, Roma e Alemanha) a película corre um caminho distante de muitos fatos reais, mesmo assim, Munique é um bom filme e concorre a cinco estatuetas do Oscar (melhor filme, edição, trilha-sonora, roteiro adaptado e diretor). No Globo de Ouro foi indicado para melhor diretor e melhor roteiro.

O filme de Steven Spielberg também é sobre o 11 de setembro, mas sem ser explícito. Até o momento, foram realizados mais de 100 filmes sobre os atentados de 2001 e seus acontecimentos posteriores, entre documentários, curtas e shows. Provavelmente você não achará Munique em nenhuma dessas listas, que incluem 11'09''01, Vôo 93 e World Trade Center de Oliver Stone, com estréia prevista para agosto nos EUA.

O grupo terrorista se chama Setembro Negro, o que pode confundir os espectadores com os atentados. O nome do grupo é uma homenagem aos 10 mil palestinos mortos em setembro de 1970 devido à perseguição do rei Hussein da Jordânia.

O filme é tendencioso. Os agentes de Israel não explodem crianças nem seus novos amigos, mesmo que esses sejam palestinos. Spielberg pode ser piegas, mas não é burro. Se “Munique” fosse um filme realista poderia causar tanto tumulto quanto as charges de Maomé. O filme trata de temas delicados inclusive entre os seus, como o preconceito entre os próprios judeus devido às suas diferentes origens.

"Munique" causou tanta reação quanto "A Queda: as últimas horas de Hitler". Ambos os filmes têm o papel de demolir os estereótipos turbinados pela indústria cinematográfica. Os nazistas também choram. Os palestinos também têm sonhos. Os judeus não são santos e os agentes também têm culpa de seus atos. São filmes que tentam quebrar a ditadura do politicamente correto. Cada um a sua maneira.

O filme passa por cima dos Jogos Olímpicos ou sobre o fato que as Olimpíadas de Munique eram traumáticas para os judeus antes mesmo dos atentados. Apenas 36 anos antes fora realizada as Olimpíadas de Berlim, no auge de Hitler. “Munique” focaliza o drama entre judeus e palestinos.

Spielberg desagradou a gregos e troianos, no caso, palestinos e judeus. Ex-agentes da Mossad reclamam que tudo é fantasia e que nada ocorre deste modo. Grupos radicais dos dois lados afirmam que a história é branda demais com o inimigo. Não viram e não gostaram.

A história é sobre a perseguição a um grupo de 11 pessoas supostamente ligadas aos atentados de Munique. Para cumpri-la é formado um grupo liderado pelo ex-agente Avner (Eric Bana). Ele tem de renunciar ao seu contrato com a Mossad e todos os seus dados são apagados. Avner vira impessoa. A intenção é desvincular o estado do vale-tudo da guerra, passar por cima das leis e que os fins justifiquem os meios. Não teriam Golda Meier e George W. Bush o mesmo ingrato papel?

O lado humano é retratado na situação de Avner. O pai tinha sido preso, a mãe o abandonou no Kibutz e sua mulher está grávida de sete meses. Mas a pátria deve estar acima de tudo e o agente nem pensa em recusar a missão oferecida diretamente pela primeira-ministra.

Avner lidera um grupo de pessoas não ligadas ao serviço secreto, mas com habilidades para ir a qualquer ponto da Europa com passaportes falsos, explodir pessoas, fugir de perseguições e não deixar rastros. O time é formado pelo motorista Steve (Daniel Craig), o falsificador de passaportes Hans (Hanns Zischler), o fabricante de brinquedos Robert (Mathieu Kassovitz, ator de Amém e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) e Carl, aquele que se preocupa com tudo e elimina os restos do trabalho dos outros do grupo.

Depois de algumas perseguições e mortes, o grupo passa a ser perseguido. Interessante é que as mesmas pessoas que cederam as informações dos palestinos fazem uma espécie de leilão dos agentes.

Papa e Louis são personagens pouco comentados nas resenhas sobre Munique. "Papa" é uma espécie de Poderoso Chefão que iniciou sua carreira sabotando trens alemães na França ocupada e passou a comprar e vender informações de agentes secretos e terroristas. A casa familiar recheada de crianças lembra o Poderoso Chefão e a do coveiro de “Kolya” que tinha diversos animais em casa. “Quem lida com a morte tem de estar cercado de vida por todos os lados”.

Assim como os ex-sabotadores franceses não pararam suas atividades com o fim da guerra israelenses e palestinos jamais terminarão suas listas negras. O pesadelo não terá fim. Quando um chefe do tráfico de drogas é morto, logo aparece seu substituto. Quando um terrorista palestino é aniquilado, logo ele é substituído por outro com mais desejo de vingança. A mosca está na sopa e não adianta dedetizar que logo vem outra no lugar. O rei está morto? Viva o rei.

Avner e seu grupo começam a desconfiar que os 11 suspeitos tenham pouca ou nenhuma relação com os atentados de Munique. A lista foi feita para aproveitar a ocasião e despachar alguns inimigos do Estado de Israel.

O saldo é decepcionante para os dois milhões de dólares “investidos” na operação. Os ataques palestinos aumentaram; apenas seis da lista são mortos; três do grupo de Avner são assassinados e Ali Hassan Salameh, o mentor do massacre de Munique, seria morto apenas anos depois.

O grupo de Avner é disperso, mas os sobreviventes passam a conviver com a paranóia. Camas, telefones, carros parados na rua... Tudo é motivo de medo. Existe algum lugar seguro longe das "teletelas"? Ironicamente, Avner se sente mais seguro na cidade das Torres Gêmeas do que em Israel.

Os sobreviventes nunca terão uma vida normal. Quando Avner está na cama com sua esposa ele pensa nos atentados. É explícita a mistura de sentimentos e a relação entre vida e morte.

Alguns dados importantes foram esquecidos: as Olimpíadas de Munique continuaram; dois anos depois a Copa do Mundo foi realizada na Alemanha; o futuro primeiro-ministro Ehud Barak é pouco mencionado, apesar de participar da operação que matou Salameh em Beirute em 1979; os nomes dos terroristas são quase todos fictícios; alguns atletas morreram pelo fogo amigo dos esquadrões de elite da Alemanha Ocidental, durante o tiroteio no aeroporto de Fürstenfeldbruck; e a morte por engano de Ahmed Bouchiki, um homem parecido com Salameh.

É um filme de ficção. A prova é cena que palestinos não reconhecem judeus após dividir o mesmo teto durante uma operação. Uma influência de “Inferno no Pacífico" (Hell in the Pacific). Lee Marvin e Toshiro Mifune são dois pilotos inimigos que tem de aprender a conviver a mesma ilha durante a Segunda Guerra. Situação parecida também de "Inimigo Meu" (Enemy Mine) de Wolfgang Petersen, mesmo diretor do clássico O Barco (Das Boot).

Outra “homenagem” é o final “Planeta dos Macacos”. No clássico filme de 1968 a revelação que os astronautas sempre estiveram na Terra foi chocante para um mundo que vivia o terror nuclear da Guerra Fria. Em “Munique” as Torres Gêmeas cumprem o papel de chocar o espectador. Elas são a nova versão da Estátua da Liberdade enterrada na praia.

Munique é mais do que um filme sobre os atentados das Olimpíadas. Munique é sobre o dia 11. Um dia que não começou em setembro de 2001 e nunca vai terminar.

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